Os fliperamas da vida

Era 1992, uma esquina de uma perto da avenida principal. Um garoto estava voltando da padaria e viu um comércio novo se abrir. Ainda não dera uma grande atenção, até que viu em seu interior umas máquinas que não vira antes. Curioso, perguntou ao dono do estabelecimento o que era. Um jovem adulto respondeu:"São máquinas de fliperama, você pode jogar videogame nelas até terminar o jogo ou até perder."
Enquanto isso, entraram adolescentes, garotos maiores que pareciam saber do que se tratava. Curiosamente, a maior parte deles dirigiu-se a uma máquina que ficava no canto direito do estabelecimento, o nome do jogo era Street Fighter 2 Champion Edition. Ao que tudo indicava, esse jogo era lançamento e os que já jogavam aguardavam ansiosamente uma oportunidade de jogar e ali estava, naquele fim-de-mundo, um jogo novo, recém-lançado. O garoto voltou para casa antes que a mãe pudesse brigar pela demora, mas ele voltaria ali e veria um novo mundo que se abriria para a sua vida.
Pode parecer meio romantizado, mas esse é o primeiro referencial que tenho acerca de fliperamas. Muitos que cresceram na década de 90 frequentaram esses estabelecimentos e tiveram sua iniciação social em tais ambientes. Meu ponto de partida é Santa Maria. Até a mini-historinha contada, eu apenas tinha visto ao vivo um videogame Atari e sonhava em ter um Mega Drive e Master System, que a sua distribuidora na época era a Tec Toy, os quais tanto apareciam na TV. Um videogame que era para o mais ricos foi o Super Nintendo (ou SNES como preferir) mas isso é assunto para outra conversa.
De qualquer forma, o primeiro fliperama que eu vi, foi este da esquina. Mas logo (e logo mesmo) surgiram outros, máquinas em bares e locadoras de videogames para atender os moleques mais ruinzinhos que não duravam muito com uma ficha. Eu sempre quis saber o nome dessa pessoa que abriu esse fliperama. Infelizmente, vai ficar no passado. Não muitos meses depois, surgiram duas locadoras que passaram a virar meus motivos de ausência de casa nas horas livres. Uma era a do Japão, a qual primeiramente se alojou a duas quadras de minha casa e por sorte mudou-se para a rua ao lado, e a dos irmãos que também ficava a duas quadras de minha residência, mas no lado oposto.
A primeira locadora tinha todos os televisores a cores, uma fila de espera enorme, e algo que encarecia a hora era o controle arcade original de Super Nintendo para os clientes se sentirem em um fliperama ao jogar Street Fighter. Já na outra locadora, a hora era mais barata porque maior parte das TV's eram preto e branco (o que na época era normal) e os videogames não eram tão novos (dava para jogar TurboGame e Atari lá). Em compensação, foi na segunda que vi ao vivo pela primeira vez um SegaCD.
Então, parece a febre tinha se instalado. Muitos donos de bares, bancas de revistas, alugavam máquinas para dar um dinheiro extra. E valia o investimento. Porque sempre tinha gente jogando. Não importava o horário, a quadra, era incomum ver um fliperama vazio. Aliás, quando se via, já havia a suspeita de falta de luz. Ainda com todo o sucesso, na escola, parecia que não era todo mundo que jogava, além do que o coleguinha que preferia videogame a futebol era visto como doido e era discriminado.
Todo o sucesso repercutiu negativamente nas mães. Primeiro porque tinha muito menino pedindo para ter um videogame em casa – o que era muito caro, além de estarmos falando de uma cidade de renda per capita bem baixa – também podemos acrescentar a venda de garrafas para comprar ficha (havia bar que aceitava garrafa = ficha) e muita gente ficava sem refrigerante em casa porque não tinha o vasilhame (pode chamar de casco também). Outro fator negativo, era que, como em qualquer lugar, tinha uns indivíduos não muito exemplares, e muitos pais achavam que lugares de jogos eletrônicos era ponto de bandido (alguns até podiam ser, mas não era esse terror todo).
Os anos se passaram, muita coisa evoluiu (exceto a mente das mães) e muitos dos “investidores de momento” se retiraram do mercado o que abriu vaga para outros visionários. Uma quadra de distância de minha residência, um cara chamado de Valdeir (ou Valduí) abriu em sua garagem uma locadora. Características marcantes dessa pessoa era a organização. A locadora sempre estava limpa, os jogos organizados, fios bem presos para diminuírem a chance de esbarrarem neles. O cara era conhecido por ter regras em sua locadora tais como:
  • Trocar de jogo a cada meia-hora;
  • Deixar cair ou derrubar o controle perde 15 minutos do tempo pago;
Outro fato interessante era que ele comprava e vendia jogos como um judeu. Você nunca venderia para ele um jogo por um preço justo e sempre pagava caro em um jogo que ele vendia. Apesar dos pesares, ele era gente boa e conheci bastante gente lá. Inclusive uma dupla de irmãos que me ensinaram a jogar Megaman X. Em outra quadra próxima ali, também surgia duas locadoras que ficaram boa parte do meu dinheiro da pré-adolescência. Two Brother Games e o Renato. Não havia o que reclamar das duas. As duas foram importantes para enturmação da galera dos fliperamas (pois quando uma estava cheia, íamos para a outra). Em ambas, o ambiente era acolhedor, tínhamos amizade com os donos (o que nos permitia jogar de graça caso não houvesse próxima). Mas foi na Two Brothers que vi o Playstation 1 pela primeira vez.
Enquanto as locadoras ganhavam rios de dinheiro, um dono de bar fez um lance arriscado e lucrativo (não sei se era tão arriscado assim porque ele já tinha um bar em frente uma escola), ele colocou uma máquina de Super Street Fighter 2 em seu bar. De início, não rendia muito porque os videogames já não eram tão caros e muitos já possuíam esse jogo em casa. Mas, o que fora realmente de vanguarda, arrojado, foi ter colocado uma máquina de Street Fighter Zero original, lançamento e com lista de golpes. Mesmo cobrando a ficha mais cara para a SFZ, não faltava fila para o povo jogar. E aí eu digo, que foi no bar do Capivara que conheci muitos brothers que ainda mantenho contato.
O tempo passou, alguns jogos deixaram de ser novidade. Aqueles lançamentos que pareciam ser difíceis de chegar cedo à nossa cidade, não eram mais tão difíceis assim. O povo começou a ficar saudosista. Mas uma mulher, que não entendia muito do assunto, por um acidente sorte do destino, em pleno 1998, abriu um fliperama com jogos de 1995: King of Fighters 95 e Fatal Fury Real Bout. Vale lembrar que nem sonhávamos com a existência de emuladores naquela época, então, foi um ataque nostálgico para os jogadores antigos que poderiam relembrar os jogos de outrora, os quais os fizeram amar os fliperamas. A coisa foi tão séria, que outros estabelecimentos seguiram a mesma ideia e colocaram jogos da mesma época para ter público. Um exemplo foi um colega meu de escola, que estudava na série seguinte, montou um fliper na casa dele tinha o todo-poderoso clássico Samurai Showdown 2, um jogo de luta que personagens usavam armas (era inovador em 1994).
Outra coisa que marcou o povo nessa era dos fliperamas foram os recordes. Não sei exatamente quando, nem quem, mas alguém percebeu que os recordes não apagavam ao desligar a máquina. Então, muito jogador jogava para registrar suas iniciais nas máquinas. Era muita pontuação absurda.
No final de 1998, surge um fliperama (e também locadora) que pegou o início da fase adulta de muita gente. O fliper do Marquim. Ele comprou a máquina do momento, em pleno lançamento. Não sei quanto ele pagou, mas na época, na ocasião de seu lançamento, The King of Fighters 98 chegava custar R$ 6000,00. Mas parece que o investimento deu retorno. Alguns fliperamas fecharam as portas por queda de público e não poder investir em jogos novos. Marquin já começou jogando alto e assim foi até 2002, quando ele comprou The King of Fighters 2002. Com o tempo, o movimento caiu, acredito eu por causa da popularização dos emuladores. Mas esses estabelecimentos marcaram não só minha vida, mas a de muita gente que conheceu amigo, até namorado nesses lugares. Eu costumava chamar de escritório os fliperamas que eu ia não só para jogar, mas também para ver a galera.
É evidente que deixei de citar outros pontos de games que também foram marcantes, mas não marcaram a minha ex-cidade de forma geral como esses que citei. Além do que, alguns que deixei de fora, não me lembro em que momento exatamente surgiram e os que aqui foram mencionados, já tinham feito sua história.
Não discordo do conforto de ter um videogame em casa e jogar quando quiser. Mas a atmosfera desses ambientes foi algo único, o que infelizmente já se perdeu há muito tempo. Os mais jovens talvez não entendam qual era a graça de jogar em tais lugares. Realmente, não vão entender mesmo porque isso foi em outro tempo, outra época. Aqueles momentos, não voltam mais.

E para relaxar, vai um videozin legal sobre Street Fighter 2

https://www.youtube.com/watch?v=RjB6sgAfrJU&spfreload=10

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